Comparar servidores com Ferraris? Não !!
Há vários anos acompanho matérias em revistas, jornais e portais de tecnologia
espalhados pela internet.
Não são raras as vezes em que me deparo com artigos que exaltam
alguma "mensagem de impacto" (?) como "A Ferrari dos processadores" ou "O computador que é uma
Ferrari".
Compreendo o fascínio que a marca do cavalinho desperta nos mortais mas, daí, comparar um
processador de algumas centenas de dólares, produzido aos milhões mensalmente, com os bólidos
de Maranello é, no mínimo, uma extrema falta de bom senso (para não dizer falta de respeito!)
Contudo, em uma dessas madrugadas de insônia, me pego estarrecido diante de um artigo que apregoava
o "Servidor que é uma Ferrari". Pronto! Aquilo já era demais!
Querer criar analogias entre desktops e os puro-sangue "rossos" eu até perdoaria, mas falar de
um servidor?
Que falta de percepção!
O quê estaria passando pela cabeça daquele articulista para tecer tão imprópria comparação?
Será que ele imagina o propósito de um servidor?
Seria muito mais honesto comparar um servidor a um burro de carga. Jamais a um garanhão de Modena.
Uma Ferrari é uma Ferrari. E ponto final!
Minha rotina diária me coloca, cotidianamente, diante dessas analogias.
Trabalho com servidores porque gosto da realização profissional que esses equipamentos
proporcionam àqueles que os integram. Gosto de ter a sensação de participar do sucesso de
crescimento de outras empresas, além de me satisfazer (muito) com os elogios que ouço dos fabricantes
que produzem os componentes de nossos equipamentos - como Intel, Seagate, Kingston, Nilko e Microsoft.
Mas, como mostrar aos usuários menos habituados o papel de um servidor em seu ecossistema
computacional?
Também lanço mão de analogias, entretanto, tento sempre aproximá-las da realidade de comparação.
Que venham as analogias!
Imaginemos o ambiente computacional de sua empresa como uma grande empresa de distribuição e
logística.
As cargas a serem distribuidas seriam os dados, as informações.
Na ponta mais capilar dessa rede temos as estações de trabalho. Para elas chegam pequenas entregas
individuais, compostas por pequenos pacotes que serão manejados por um motoboy.
Para cuidar dessas encomendas individuais uma simples motocicleta já basta.
Várias motocicletas juntas concentram diversos volumes do mesmo bairro.
Estes pacotes, por sua vez, serão agrupados em um volume maior e, de cada bairro, partirá um
pequeno caminhão baú urbano carregado de pacotes em direção ao centro de distribuição na matriz da empresa.
No dia seguinte, pela manhã, estes mesmos caminhões baú urbanos retornarão aos bairros com os pacotes daquele dia.
Já no centro de distribuição os volumes dessas dezenas de caminhões baú urbanos serão agrupados novamente, dessa
vez em um volume bem maior, e este novo volume será acomodado dentro de um grande caminhão rodoviário, o qual partirá
no início da noite do Rio de Janeiro, cruzará os 450 quilômetros da Rodovia Presidente Dutra por seis a oito
horas de trajeto e, finalmente, chegará ao Centro de Distribuição de São Paulo, onde os caminhões baú urbanos
e as motocicletas realizarão, localmente, a função de capilarizar os pacotes novamente.
Se a empresa possui diversos centros de distribuição, espalhados por diversas capitais,
ela poderá, ainda, contar com a interligação entre essas cidades sendo feita por mais
caminhões rodoviários, carretas bi-trem, logística ferroviária, marítima ou aérea.
Tudo dependerá do volume de suas cargas e a necessidade de tempo entre esses redespachos.
Como já sabemos, os desktops de uma empresa são as motocicletas. Ágeis, econômicas, dinâmicas...
Porém pequenas!
Se a empresa concentra-se em apenas uma matriz territorial, basta que as diversas motocicletas
rumem à matriz e agrupem seus enésimos volumes em apenas um caminhão baú.
Este seria o servidor departamental ou entry-level. Um equipamento mais robusto que um veículo de passeio,
dotado de maior capacidade de carga, facilidade de manutenção, fácil manejo e durabilidade assegurada.
Nos casos maiores, interligando centros de distribuição distintos, a presença de uma carreta
rodoviária se faz presente e, analogicamente a este papel, temos os servidores corporativos de MID-TIER.
Estes já são equipamentos ainda mais robustos, dotados de capacidade de carga bem acima dos baús e,
face à sua maior complexidade, um condutor mais qualificado se fará necessário.
Da mesma forma que muitas empresas cometem o erro de colocarem desktops para executarem a função
que seria destinada a um servidor departamental, também seria um desperdício de investimento colocar
uma carreta para levar os pacotes da matriz até os bairros.
Tente imaginar uma carreta de 20 metros, pesando 30 toneladas, tentando chegar nos pontos de encontro de cada bairro de
sua cidade. Não daria certo, não é?
Todavia, em rodovias federais, largas e adequadas, estes equipamentos estariam em seu habitat natural.
Finalmente, quando além das carretas, também será preciso manejar grandes volumes por uma composição
ferroviária, ou por aviões de carga, teríamos os servidores de BACK-END.
Estes são os equipamentos ainda mais robustos, com elevadíssima capacidade de carga, capazes de
mover milhares de toneladas entre pontos distantes, em tempo hábil e confiáveis a toda prova.
E por onde anda a Ferrari?
A Ferrari está na Rodovia Presidente Dutra, ultrapassando todos os limites de velocidade e recebendo
incontáveis notificações por excesso de velocidade!
Esse cáos se deu graças a uma má decisão que algum gerente de TI tomou.
Comparando as "especificações" de uma Ferrari com as "especificações superficiais" de
alguns modelos de caminhões Scania e Volvo, esse gerente de TI concluiu que os três veículos entregavam entre 280hp
e 480hp de potência, custavam praticamente o mesmo preço e a Ferrari desenvolvia uma
velocidade bem superior aos concorrentes.
Além do fator "velocidade", o status de possuir uma Ferrari no CPD foi o fator determinante para
que o gerente de TI decidisse pela aquisição do bólido vermelho-sangue.
A despeito da estupenda velocidade e da "sensação táctil" de estar ao volante de uma Ferrari, o
gerente de TI precisava gerenciar a movimentação de 30 toneladas de carga entre os centros de
distribuição do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao gerente competente, coube a função de acomodar as 30 toneladas de carga na carreta que havia
adquirido e comandar que a mesma seguisse em direção a São Paulo; tarefa que mostrou-se concluída
sete horas após a partida da carreta (fosse ela uma Scania ou um Volvo).
Enquanto isso, no Centro de Distribuição do "entusiasmado", o gerente de TI acomodava
fardos de 70Kg no banco do passageiro e comandava que o motorista seguisse para São Paulo com
o veículo desenvolvendo 315Km/h de velocidade.
Foram necessárias 428 viagens para que a carga de 30 toneladas chegasse ao seu destino final e, mesmo
transitando em elevadíssima velocidade, a tarefa só teve fim após 1248 horas de desgaste ininterrupto!
Somam-se ainda ao desperdício de tempo os elevados custos de manutenção, uma vez que o
equipamento foi submetido a um regime de uso severo, inapropriados para a função para a qual
havia sido originalmente projetado.
Em resumo... Um novo currículo na rua!
Sem sequer considerarmos pontos relativos a consumo de combustível (em nossa analogia representando os
gastos com energia elétrica), fadiga do bem, baixíssima durabilidade, custos com segurança, custos com
profissionais e outras tantas despesas que compôem o custo total de propriedade (TCO) de um bem,
podemos facilmente concluir que a Ferrari foi adquirida para o propósito ERRADO.
Esse artigo ilustra apenas uma situação fictícia, porém, em nosso dia-a-dia deparamo-nos com
inúmeros casos onde a ilustração seria apropriada.
Infelizmente muitos usuários evoluiram ao cargo de gerentes de TI estando ainda presos a uma percepção de performance que teve origem no uso de
equipamentos desktop, rodando aplicativos de frente para um usuário.
Quando o cenário de processamento
se dá de maneira distribuída, sendo pano de fundo para diversas estações de trabalho, muitos gerentes
de TI não conseguem apontar o dimensionamento correto de um servidor, orientando o equipamento
para funções díspares de seu propósito real.
Estes profissionais acabam respondendo pela decisão equivocada que defenderam e, quando o mal uso
do capital da empresa é evidenciado, recai sobre eles a responsabilidade de justificar.
Quando os diretores solicitam a presença do gerente de TI para que sejam dadas explicações, os
fornecedores da "Ferrari" não estarão presentes na mesa diretora.
Lembre disso...
Lembre disso quando buscar ajuda em veículos de mídia que pautam suas matérias em desktops e notebooks.
Esses veículos tratam servidores de forma extremamente superficial e, pela pouca experiência no
assunto, a maioria dos articulistas desconhece os vetores de força que deveriam ser valorizados
ou negativados em determinados equipamentos.
Lembre, ainda mais, quando solicitar auxílio daqueles tradicionais fornecedores de
tecnologia focados em equipamentos desktop, com consagrada presença nos maiores
pontos de venda do país.
A grande maioria das empresas com grande volume de desktops enxergam o segmento de
servidores como 1% a 3% do seu faturamento e, diante de uma participação tão pequena,
os investimentos em qualificação de profissionais e contratos de parceria com
fabricantes apropriados ficam relegados a segundo plano.
Empresas com foco em servidores precisam ter, pelo menos, uma boa fração de seu portifólio
focada em um mix de produtos SERVER .
Há casos onde o barato sai caro, há outros onde o caro sai caro e, acima de tudo, os casos em que
o errado sai muito mais caro que o barato ou o caro juntos!
Até a próxima!
Por: Ralph Vils
Rio de Janeiro - RJ
26 de Fevereiro de 2007
Agradecimentos:
Cummins do Brasil
Scania Latin America
Volvo do Brasil Veículos
© Copyright:
Ferrari© é marca registrada da Ferrari S.p.A. Divisione Licensing and Merchandising.
Nota de Rodapé:
NENHUM dos motores que ilustram esse conto equipa uma Ferrari.